A Academia de Belas-Artes é o equivalente para a arte do que a Academia Francesa é para a literatura.
Fotógrafo vive no país europeu desde que a ditadura militar lhe exilou em 1968.
Ícone do fotojornalismo em todo o mundo, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado tornou-se nessa quarta-feira, 6, membro da Academia de Belas-Artes da França, uma distinção inédita para um brasileiro.
Sebastião Salgado é o primeiro brasileiro admitido na prestigiada academia, uma das cinco que compõem o secular Instituto, criado em 1795.
Vestido com o tradicional fardão verde dos acadêmicos, Salgado enxugou as lágrimas várias vezes durante a solenidade e anunciou que prepara um novo projeto para a defesa da Amazônia.
Uma cerimônia solene, mas também carregada de emoção foi realizada no Institut de France e foi ciceroneada por outro fotógrafo, o francês Yann Arthus-Bertrand, que pronunciou o discurso em homenagem ao eleito.
Para Lélia, o dia também foi especial:
— Foi realmente emocionante.
É uma honra ele ser admitido nesta Academia de Belas Artes da França.
É algo que faz a gente ficar tão feliz e reconhecido.
Estavam presentes personalidades como a atriz britânica Charlotte Rampling e a brasileira Cristiana Reali, radicada na França.
— Fiquei muito orgulhosa ao ver um brasileiro entrando na Academia de Belas Artes.
É merecido, porque o trabalho dele é imenso — disse Cristiana.
Salgado defendeu “o amor em relação ao outro, à natureza e ao planeta” e anunciou que apresentará ano que vem, na Academia, um projeto para a Amazônia.
A cerimônia foi entremeada por três momentos musicais bem brasileiros e que também deixaram Salgado emocionado:
“A Casinha pequenina”, canção tradicional com arranjo de Radamés Gnattali, “Prelúdio n°3 para violão em lá menor” e “Nesta Rua”, de Heitor Villa-Lobos.
As intepretações foram da mezzo-soprano Chloé Debacker, Isabelle Vuong no piano e Lindolfo Bicalho no violão.
Entre os convidados da cerimônia, estava o embaixador do Brasil na França, Paulo César Oliveira Campos.
“É um momento muito especial, é a primeira vez que um brasileiro passa a integrar o Instituto da França”, disse o diplomata.
“É algo excepcional porque ele é uma pessoa excepcional, ao longo de sua vida, ele fez mais que imagens, ele fez da fotografia uma filosofia de vida e uma forma de passar a mensagem sobre a sua forma de ver o mundo”, acrescentou o embaixador.
Nascido em Aimorés, em Minas Gerais, economista de formação, Salgado tornou-se fotógrafo profissional em 1973, já em Paris, cidade que adotou durante a ditadura militar.
Com passagens marcantes pelas maiores agências francesas de fotojornalismo – Sygma, Gamma e Magnum, esta fundada por Henri Cartier-Bresson, o brasileiro ganhou notoriedade ao longo dos anos 1980, época em que transformou seu trabalho jornalístico em livros de grande sucesso.
Sua primeira obra foi Outras Américas (1986).
Seguiram-se Trabalhadores, Terra e Serra Pelada até o enorme sucesso mundial de Êxodos, quando visitou 35 países para narrar as migrações humanas.
Em 2013, Gênesis marcou sua mutação de fotógrafo de conflitos e guerras em observador da natureza, em um trabalho no qual foi ao encontro do homem em locais do planeta ainda inexplorados pelo extrativismo e pela economia.
A profundidade de seu trabalho o tornou um dos fotógrafos mais conhecidos e admirados do mundo.
Objeto de exposições, retrospectivas, livros e de um documentário, O Sal da Terra, dirigido por seu filho, Juliano Salgado, e pelo cineasta Win Wenders, Salgado vem sendo distinguido em todo o mundo há mais de duas décadas.
Desde 1992, é membro da Academy of Arts and Sciences dos Estados Unidos.
Em 2016, recebeu a medalha da Legião de Honra, a mais prestigiosa da França.
Na última quarta-feira, 6, enfim, foi ungido como membro da Academia de Belas-Artes, uma das cinco academias do prestigioso Institut de France.
A instituição tem 59 membros distribuídos entre oito seções artísticas, entre as quais a de fotografia.
Dessa última participam apenas quatro fotógrafos – Yann Arthus-Bertrand, Bruno Barbey e Jean Gaumy, além de Salgado.
Dois amores
“Mas eu sou brasileiro e francês.
Tenho duas nacionalidades.
Minha mulher Lélia e eu temos dois países, dois amores.
A França que nos acolheu e está em nossos corações.
E isso quero lhes dizer hoje com intensidade e respeito”, declarou.
“A França é muito importante para mim.
Passei mais tempo aqui do que no Brasil, que é minha origem, minha raiz.
A composição dessas duas nações fez o que sou hoje”, disse Salgado.
Lágrimas de fotógrafo
Antes de subir ao palanque, Salgado ouviu a apresentação de outro acadêmico fotógrafo e amigo, o francês Yann Arthus-Bertrand – que ao contrário do brasileiro, é conhecido pelas cores abundantes de seu trabalho.
Coube a Arthus-Bertrand, um dos intelectuais mais célebres da França contemporânea, realizar o discurso de bem-vinda do brasileiro.
Arthus-Bertrand falou sobre a trajetória de Salgado, que saiu do vale do rio Doce, foi para Vitória estudar, conheceu os movimentos de esquerda e também a mulher de sua vida, Lélia, então com 17 anos, e ele, com 20.
Em um pronunciamento sobre o amor, ressaltou a relação de Salgado com Lélia Wanick Salgado, sua mulher, assim como sua dedicação a trazer à luz a vida dos desfavorecidos, primeiro através do fotojornalismo, e a seguir por meio da fotografia de arte.
“Se estou tão feliz acolhê-lo, é porque sei que essa bela casa será iluminada por sua luz”, disse Arthus-Bertrand. “Porque estou certo de que sua humanidade e sua vitalidade vão nos fazer um bem imenso.”
Após o discurso, o brasileiro passou a ocupar o assento de seu amigo Lucien Clergue, morto em 2014, a quem o brasileiro fez o discurso de elogio, um protocolo da casa.
Salgado lembrou que Clergue o havia convidado, em três oportunidades, a última delas por carta, para tomar seu assento na Academia de Belas-Artes no dia de sua morte.
“Eu não teria jamais aceito a proposta de Yann Arthus-Bertrand de me candidatar se não tivesse recebido essa carta”, explicou Salgado.
“É pela memória das palavras de Lucien, com emoção e responsabilidade, que eu disse ‘sim’ a Yann e que estou aqui.”
“Eu creio que não sucedemos um homem como Lucien Clergue; não substituímos um personagem como ele, com uma história tão prodigiosa, com uma cultura tão rica.
(…) Nós não o substituímos; nós herdamos dele.”
Sob imensa salva de palmas ao novo membro, a cerimônia no Institut de France foi encerrada para que o brasileiro pudesse receber a espada, símbolo da instituição, em uma recepção na capela da Escola Nacional Superior de Belas Artes, minutos depois.
Já empossado, o fotógrafo recebeu uma espada de bronze, esculpida para a ocasião por Jean Cardot, seu colega de Academia.
A espada de bronze, obra do artista plástico e escultor Jean Cardot, traz em sua empunhadura elementos da obra do fotógrafo.
Na peça são representados elementos essenciais do universo fotográfico do homenageado: árvores, uma iguana, os mineiros de Serra Pelada e um casal de albatrozes.
O de maior destaque é a pata de uma iguana, fotografada por Sebastião Salgado em 2004, no Equador, e parte do livro Gênesis.
Fonte: O Estadão/Internet