A fotografia que levou ao mundo o olhar da menina afegã Sharbat Gula faz parte de um acervo particular prestes a ser aberto à visitação pública em Fortaleza.
É uma das preciosidades do Museu da Fotografia, que abriu as portas no sábado (11) e reúne 440 das mais de 2 mil imagens colecionadas pelo empresário cearense Sílvio Frota.
São cliques dos maiores expoentes da arte no Brasil e no mundo como Henri Cartier-Bresson, Steve McCurry e Cindy Sherman narrando histórias das guerras mundiais, da Grande Depressão, da ditadura militar brasileira, dos conflitos que arruinaram a Síria e dos protestos de 2013, entre outras
A icônica “Menina afegã” tem 25 originais espalhados pelo mundo e um deles foi o primeiro item comprado por Frota para começar a coleção.
A garota se tornou a “Mona Lisa da fotografia” após perder os pais durante a invasão soviética ao Afeganistão e ser registrada por McCurry.
Sharbart foi capa da revista National Geographic em 1985.
Entre as centenas de imagens mundialmente famosas, o visitante poderá apreciar de perto o “momento decisivo” de um homem pulando uma poça em um dos cliques mais conhecidos de Bresson e fotos feitas por Chico Albuquerque dos bastidores do filme rodado por Orson Welles em Fortaleza.
O objetivo do Museu, segundo Frota, é aproximar as pessoas da fotografia, mesmo aquelas que não têm intimidade com a arte.
Para isso, ele conta, o curador Ivo Mesquita (ex-Pinacoteca de São Paulo) organizou as imagens de modo que elas não pareçam individualizadas, e contem, juntas, uma história.
“Quando pensamos no museu, pensamos no que a gente precisaria para que as pessoas se interessassem.
Se você está em um museu e vê várias fotos fora de contexto, você passa por elas sem perceber que ali tem uma história, mas quando você expõe uma sequência do tema, você revela uma narrativa”, diz Frota.
O primeiro andar do prédio terá o revezamento de exposições temporárias com mais de duas mil fotografias da coleção que abrange 200 anos de história.
Nos outros dois andares, o visitante irá conhecer as exposições permanentes, sendo o último piso dedicado às imagens do Norte e Nordeste brasileiros.
O espaço conta também com auditório para palestras e oficinas, livraria temática e café.
Conforme o proprietário, o Museu da Fotografia é um “presente” para cidade, para os fotógrafos e para a valorização do segmento artístico.
“Queríamos dar um presente para a cidade, para os profissionais da fotografia, porque eles são injustiçados.
As fotos foram consideradas os primos pobres da pintura.
Agora, como a fotografia está numa evolução muito grande, as fotos estão saindo desse baixo patamar, e os fotógrafos passam a ser reconhecidos como artistas.
O que eu fiz foi me antecipar a isso.”
Museu na comunidade
Outra proposta é levar a fotografia para além do prédio que abriga o museu.
“Contratamos um educador para levar o Museu às comunidades e as comunidades para dentro do Museu.
Vamos dar cursos pra eles, eles vão fazer exposição dentro da comunidade e depois vamos trazer os melhores para uma exposição.”
Em uma segunda etapa, conta o colecionador, ainda sem data definida, as imagens estarão disponíveis para a população do interior do Ceará.
“Percebemos que no interior do estado as pessoas ainda têm muito pouco acesso a esse tipo de imagem.”
A ideia, conforme Frota, é disseminar as imagens.
O colecionador conta que ele mesmo sofreu com a privação de fotografias particulares que não são expostas.
“Não era justo eu ter uma coleção dessas e ninguém ter acesso.
Tem fotos que eu sei que as pessoas têm, mas eu não tenho acesso, não acho justo, a foto tem que ser disseminada. Nós começamos o museu por aí, pensando no espaço para as pessoas terem acesso.”
Fotografia digital e o ‘fim da fotografia’
O colecionados nega, com convicção, a ideia de que a fotografia está próxima do fim.
Em outubro de 2016, gerou polêmica entre fotógrafos, colecionadores e apreciadores a frase apocalíptica de Sebastião Salgado de que a foto chegará ao fim nas próximas décadas.
“Eu não acredito que a fotografia vá viver mais de 20 ou 30 anos.
Vamos passar para outra coisa”, disse o artista brasileiro, reconhecido e premiado mundialmente.
“A fotografia não vai acabar, não pode acabar”, contesta Frota, “acho que ele (Sebastião Salgado) quis dizer uma coisa, foi infeliz e disse outra.
Acho que ele errou na maneira de dizer, o que foi jogado com uma conotação diferente e publicaram na imprensa esse erro.”
Para Sílvio Frota, que começou a admirar a arte fotográfica coincidentemente durante o início do advento da fotografia digital, as fotos passam por uma metamorfose, mas não pelo processo de extinção.
“Hoje todos somos fotógrafos.
Está bem disseminado, mas existe uma diferença que é o fotógrafo que nós somos, com um celular, e um fotógrafo profissional.
Com esse advento do celular, começaram a surgir coleções de fotos feitas no celular.
Às vezes o menino é genial, mas ele não tem acesso a uma máquina, mas sim ao celular.
De repente, ele pode desenvolver essa habilidade a partir do celular.
Já vi exposições fora do Brasil completamente feitas pelo celular”, relata.
Serviço:
Museu da Fotografia de Fortaleza
Rua Frederico Borges, 545, Bairro Varjota
Inauguração em 11 de março, com exposição de 440 obras de 66 fotógrafos brasileiros e 46 estrangeiros
Telefone: (85) 3017-3661.
“Hoje todos somos fotógrafos.
Está bem disseminado, mas existe uma diferença que é o fotógrafo que nós somos, com um celular, e um fotógrafo profissional”
(Sílvio Frota)
“Queríamos dar um presente para a cidade, para os profissionais da fotografia, porque eles são injustiçados.
As fotos foram consideradas os primos pobres da pintura”
(Sílvio Frota, colecionador)
Fonte: G1-Ceará – André Teixeira e Gleison Oliveira