Hoje, pela manhã, exatamente como um raio de sol, você entrou em meu quarto.
Seu “olá” teve o som de uma sinfonia imortal para os meus ouvidos.
Esperei que você se aproximasse de mim, porque minhas pernas já não são tão firmes e tenho dificuldades para me manter em pé.
Você ficou à distância.
Reclamou do cheiro de mofo e abriu amplamente a janela.
Fiquei feliz porque sempre dependo de que alguém chegue e faça isso por mim.
Amo os dias de sol.
Eles me recordam os dias felizes em que a memória não me traía tanto e eu podia me sentir útil, realizando pequenas tarefas no lar.
Com a voz fraca, tentei conversar.
Mas acho que você deve estar com muitos problemas, porque traz a face enrugada e parece muito contrariado.
Suas respostas foram curtas e secas e resolvi me calar, respeitando as suas preocupações.
Foi aí que você abriu a minha gaveta, aquela pequena da minha cômoda.
“Quanto lixo!”, foi o que você disse.
Meu coração começou a saltar.
Você estava mexendo no meu tesouro.
Alegrei-me porque agora, pensei, poderia lhe falar do significado de cada uma daquelas pequenas jóias.
A foto amarelada de seu avô e eu.
Foi tirada durante nossa lua de mel.
É em preto e branco.
Mas eu recordo que o cravo na lapela do seu avô era vermelho e o meu vestido era estampado com flores miúdas coloridas.
“Mas, o que você está fazendo?
Não revire deste jeito as coisas da gaveta.
Você poderá amassar a fita azul que eu usava nos meus longos cabelos.
Ou então o papel de bombom que está aí.
São tantas preciosidades.
Não, não é lixo!
É minha vida.
Não jogue fora.”
Como não tenho com quem trocar idéias, nem quem me ajude a relembrar os dias vividos, que teimam em escapar da memória, sirvo-me dessas coisas antigas para avivar as recordações.
Elas são o diário da minha vida.
A flor seca me foi dada por sua mãe, em criança, num feliz dia do meu aniversário.
Ela perdeu o viço, o perfume mas encerra lembranças dos dias venturosos em que aguardava as crianças virem da escola, esperava meu eterno noivo retornar da fábrica.
Você estabelece o horário para eu comer, dormir, acordar.
Não posso ter vontades, nem desejos atendidos.
Os meus sonhos, as minhas melhores realizações estão encerradas nesta gaveta.
Os objetos que guardo me ajudam a lembrar que eu existo.
Não jogue fora minha identidade.
Ela é feita de todas essas pequenas coisas que você chama de lixo e eu chamo “Meu tesouro.”
Aprendamos a ver nos olhos da criança a mensagem da esperança e nos cabelos brancos a lição da experiência.
Não nos esqueçamos que os que hoje vivem a velhice, foram homens e mulheres que deram o seu valioso contributo ao Mundo.
Foram eles que nos geraram, permitindo-nos a vida na Terra.
Foram eles que nos educaram.
Foram eles que prepararam as bases para que pudéssemos desfrutar na atualidade esse mundo de conforto, de tantas e proveitosas oportunidades.
Tratemos muito bem os nossos idosos, hoje, enquanto estão conosco.
Amanhã, poderá ser tarde demais.
(Redação do Momento Espírita)