A quarta-feira de cinzas é o primeiro dia da Quaresma no calendário cristão ocidental.
As cinzas que os cristãos católicos recebem neste dia é um símbolo para a reflexão sobre o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a passageira, transitória, efêmera fragilidade da vida humana, sujeita à morte.
A Quarta-feira de Cinzas foi instituída há muito tempo na Igreja; marca o início da Quaresma, tempo de penitência e oração mais intensa.
Para os antigos judeus se sentar sobre as cinzas já significava arrependimento dos pecados e volta para Deus.
As Cinzas bentas e colocadas sobre as nossas cabeças nos fazem lembrar que vamos morrer; que somos pó e que ao pó da terra voltaremos (cf. Gn 3, 19) para que nosso corpo seja refeito por Deus de maneira gloriosa para não mais perecer.
Ela ocorre quarenta dias antes da Páscoa sem contar os domingos (que não são incluídos na Quaresma); ela ocorre quarenta e seis dias antes da Sexta-feira Santa contando os domingos.
Seu posicionamento varia a cada ano, dependendo da data da Páscoa.
A data pode variar do começo de fevereiro até à segunda semana de março.
Alguns cristãos tratam a quarta-feira de cinzas como um dia para se lembrar a mortalidade da própria mortalidade. Missas são realizadas tradicionalmente nesse dia nas quais os participantes são abençoados com cinzas pelo padre que preside à cerimonia.
O padre marca a testa de cada celebrante com cinzas, deixando uma marca que o cristão normalmente deixa em sua testa até ao pôr do sol, antes de lavá-la.
Esse simbolismo relembra a antiga tradição do Médio Oriente de jogar cinzas sobre a cabeça como símbolo de arrependimento perante Deus (como relatado diversas vezes na Bíblia).
No Catolicismo Romano é um dia de jejum e abstinência.
Como é o primeiro dia da Quaresma, ele ocorre um dia depois da terça-feira gorda ou Mardi Gras, o último dia da temporada de Carnaval.
A Igreja Ortodoxa não observa a quarta-feira de cinzas, começando a quaresma já na segunda-feira anterior a ela.
Qual é o sentido?
A intenção deste sacramental é levar-nos ao arrependimento dos pecados, marcando o início da Quaresma; e fazer-nos lembrar que não podemos nos apegar a esta vida achando que a felicidade plena possa ser construída aqui.
É uma ilusão perigosa.
A morada definitiva é o céu.
A maioria das pessoas, mesmo os cristãos, passa a vida lutando para “construir o céu na terra”.
É um grande engano.
Jamais construiremos o céu na terra; jamais a felicidade será perfeita no vale em que o pecado transformou num vale de lágrimas.
Devemos, sim, lutar para deixar a vida na terra cada vez melhor, mas sem a ilusão de que ficaremos sempre aqui.
Deus dispôs tudo de modo que nada fosse sem fim aqui nesta vida.
Qual seria o desígnio do Senhor nisso?
A cada dia de nossa vida temos de renovar uma série de procedimentos: dormir, tomar banho, alimentar-nos, etc…
Tudo é precário, nada é duradouro, tudo deve ser repetido todos os dias.
A própria manutenção da vida depende do bater interminável do coração e do respirar contínuo dos pulmões.
Todo o organismo repete, sem cessar, suas operações para a vida se manter.
Tudo é transitório… nada eterno.
Toda criança se tornará um dia adulta e, depois, idosa.
Toda flor que se abre logo estará murcha; todo dia que nasce logo se esvai…e assim tudo passa, tudo é
transitório.
Por que será? Qual a razão de nada ser duradouro?
Compra-se uma camisa nova e, logo, já está surrada; compra-se um carro novo e, logo, ele estará bastante rodado e vencido por novos modelos, e assim por diante.
A razão inexorável dessa precariedade das coisas também está nos planos de Deus.
A marca da vida é a renovação.
Tudo nasce, cresce, vive, amadurece e morre.
A razão profunda dessa realidade tão transitória é a lição cotidiana que o Senhor nos quer dar de que esta vida é apenas uma passagem, um aperfeiçoamento, em busca de uma vida duradoura, eterna, perene.
Em cada flor que murcha e em cada homem que falece, sinto Deus nos dizer:
“Não se prendam a esta vida transitória.
Preparem-se para aquela que é eterna, quando tudo será duradouro, e nada precisará ser renovado dia a dia.”
E isso mostra-nos também que a vida está em nós, mas não é nossa.
Quando vemos uma bela rosa murchar é como se ela estivesse nos dizendo que a beleza está nela, mas não lhe pertence.
Ainda assim, mesmo com essa lição permanente que Deus nos dá, muitos de nós somos levados a viver como aquele homem rico da parábola narrada por Jesus.
Ele abarrotou seus celeiros de víveres e disse à sua alma: “Descansa, come, bebe e regala-te” (Lc 12,19b); ao que o Senhor lhe disse: “Insensato! Nesta noite ainda exigirão de ti a tua alma” (Lc 12,20).
A efemeridade das coisas é a maneira mais prática e constante encontrada por Deus para nos dizer, a cada momento, que aquilo que não passa, que não se esvai, que não morre, é aquilo de bom que fazemos para nós mesmos e, principalmente, para os outros.
Os talentos multiplicados no dia a dia, a perfeição da alma buscada na longa caminhada de uma vida de meditação, de oração, de piedade, essas são as coisas que não passam, que o vento do tempo não leva e que, finalmente, nos abrirão as portas da vida eterna e definitiva, quando “Deus será tudo em todos” (cf. 1 Cor 15,28).
A transitoriedade de tudo o que está sob os nossos olhos deve nos convencer de que só viveremos bem esta vida se a vivermos para os outros e para Deus.
São João Bosco dizia que “Deus nos fez para os outros”.
Só o amor, a caridade, o oposto do egoísmo, pode nos levar a compreender a verdadeira dimensão da vida e a necessidade da efemeridade terrena.
E se a vida fosse incorruptível?
Se a vida na terra fosse incorruptível, muitos de nós jamais pensaríamos em Deus e no céu.
Acontece que o Todo-poderoso tem para nós algo mais excelente, aquela vida que levou São Paulo a exclamar:
“Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1 Cor 2,9).
A corruptibilidade das coisas da vida deve nos convencer de que Deus quer para nós uma vida muito melhor do que esta – uma vida junto d’Ele.
E, para tal, o Senhor não quer que nos acostumemos com esta [vida], mas que busquemos a outra com alegria, onde não haverá mais sol porque o próprio Deus será a luz, nem haverá mais choro nem lágrimas.
Aqueles que não creem na eternidade jamais se conformarão com a precariedade desta vida terrena, pois sempre
sonharão com a construção do céu nesta terra.
Para os que creem a efemeridade tem sentido: a vida não será tirada, mas transformada; o “corpo corruptível se revestirá da incorruptibilidade” (cf 1Cor 15,54) em Jesus Cristo.
A expectativa do céu
Santa Teresinha não se cansava de exclamar:
Tenho sede do Céu, dessa mansão bem-aventurada, onde se amará Jesus sem restrições.
Mas, para lá chegar é preciso sofrer e chorar; pois bem!
Quero sofrer tudo o que aprouver a meu Bem Amado, quero deixar que Ele faça de sua bolinha o que Ele quiser.
São Paulo lembrou aos filipenses: Nós somos cidadãos do Céu!
É de lá que também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo.
Ele transformará nosso corpo miserável, para que seja conforme o seu corpo glorioso, em virtude do poder que tem de submeter a si toda a criatura (Fl 3, 20-21).
A esperança do Céu e da Sua glória fazia o Apóstolo dizer:
Os olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou (Is 64,4), o que Deus tem preparado para aqueles que o amam (1 Cor 2,9).
E essa esperança lhe dava as forças necessárias para vencer as tribulações: Tenho para mim que os sofrimentos da vida presente não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada (Rom 8,18).
Este é o sentido das Cinzas.
Fonte: Canção Nova – Professor Felipe Aquino