Como presidente interino, Temer deve sofrer com os mesmos problemas estruturais que afetaram a antecessora e ter pouco espaço para reformar o sistema.
Primeiro desafio será reverter desconfiança popular, dizem analistas.
Mais de cinco meses após o início do processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff foi afastada temporariamente do cargo nesta quinta-feira (12/05), abrindo espaço para que seu vice, Michel Temer, assuma a presidência interinamente.
Especialistas ouvidos pela DW Brasil afirmam que a chegada do novo presidente deve representar alguma forma de alívio para o mal-estar que se instalou no Brasil.
Nos últimos meses, o país viu a crise política e econômica se agravar enquanto o futuro de Dilma permanecia indefinido.
Agora, Temer vai seguir como presidente interino até que Dilma seja julgada pelo Senado.
O prazo máximo previsto para que isso ocorra é de 180 dias. Alguns senadores afirmam que esse prazo pode ser encurtado em até três meses.
Se o resultado da votação desta quinta-feira – com 55 senadores a favor da abertura do processo de impeachment da presidente – se repetir no julgamento em Plenário, Dilma será destituída.
No entanto, a profecia propagandeada pelo círculo do vice de que ele vai representar uma solução não é certa.
“A chegada de Temer não me parece o fim.
Ela deve apenas gerar um alívio transitório, com tempo limitado.
O país ainda vai continuar passando por uma profunda crise econômica, que não vai ser resolvida tão rapidamente”, afirma a pesquisadora Mariana Llanos, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo.
O cientista político suíço Rolf Rauschenbach, do Centro Latino-Americano da Universidade de St. Gallen, concorda. “Há uma torcida para que Temer aplique remédios e encontre soluções.
Mas não se trata apenas de avaliar a competência.
Muitos dos problemas que castigaram Dilma devem continuar sob Temer”, afirma.
“Ele também vai sofrer acusações de corrupção entre membros do governo.
A ação para anular as eleições de 2014 no Tribunal Superior Eleitoral continua, assim como as projeções ruins na economia.
Esse episódio do impeachment também mostra que Temer não é insubstituível”, prossegue o especialista.
“País precisa de reformas profundas”
Llanos e Rauschenbach apontam que os problemas estruturais do sistema político brasileiro também não vão simplesmente desaparecer com a saída de Dilma.
“As características que favorecem esse tipo de crise devem persistir”, diz Llanos. “O país precisa de reformas profundas.”
Eles lembram que, desde o início de 2015, o Brasil convive com um dos Congressos mais fragmentados da história. Hoje, 25 diferentes partidos têm deputados na Câmara – em contraste com 12 em 1986.
“Desse jeito é extremamente difícil formar coalizões eficientes”, afirma Rauschenbach.
Antes mesmo do anúncio oficial, o novo ministério de Temer já parece repetir o mesmo modelo de loteamento fisiológico que marcou os anos Dilma, em vez de ser formada por uma equipe majoritária de notáveis, como inicialmente foi especulado.
Temer disse que pretende reduzir o número de ministérios de 32 para 22, mas ao mesmo tempo tenta atrair diversas siglas para ampliar a base do seu governo.
O Ministério da Saúde, por exemplo, deve ficar com o PP.
Vários nomes que faziam parte do governo Dilma, como Gilberto Kassab, também foram cogitados.
“O atual sistema pede esse tipo de divisão para formar uma base, mas a continuidade pode frustrar setores que esperavam alguma mudança real”, disse Llanos.
“Temer pode conquistar maioria, mas é difícil que tenha força para fazer reformas enquanto tenta se legitimar e acalmar seus parceiros.”
Desconfiança popular
A desconfiança da população, porém, já persiste antes mesmo do início do governo interino.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada em abril mostrou que 61% da população queriam a saída de Dilma, mas os números do vice eram semelhantes: 58% dos entrevistados também defenderam seu impeachment.
Já uma pesquisa do Vox Populi mostrou que apenas 11% achavam que a melhor solução era Temer assumir o governo.
O analista político Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Wilson Center, em Washington, afirma que reverter esse quadro deve ser o primeiro desafio de Temer.
Ele também concorda que o vice deve representar um alívio imediato, mas é mais otimista sobre as perspectivas do novo governo.
“O governo Dilma teve um desempenho desastroso.
Ela perdeu a legitimidade.
Apesar de tudo, Temer começa com a chance de conquistar essa legitimidade.
Dilma já não tinha mais possibilidade de recuperá-la”, afirma.
Sotero destaca, no entanto, que Temer deve ser claro sobre o que pretende.
“Ele tem que anunciar isso para a população e dizer a que veio, mostrar o seu ministério à população e aos mercados e mostrar que tem capacidade de estabilizar a situação”, afirma.
Ainda assim, o analista afirma que o caminho rumo à estabilidade deve ser difícil.
“Temer é uma pessoa mais hábil politicamente, mas os desafios são enormes.
Muitos esqueletos da real situação econômica ainda devem aparecer”, prevê.
Fonte: Terra