Médico psiquiatra, psicoterapeuta, conferencista e escritor, Flávio Gikovate morreu nesta quinta-feira, 13, às 18:30 horas, depois de uma curta batalha contra um câncer de pâncreas descoberto em abril.
Ele estava internado desde o início da semana passada.
Confiante no tratamento, Gikovate andava cheio de planos.
Dois dias depois, no entanto, descobriu uma metástase.
Autor de inúmeros livros que se tornaram best-sellers, ele apresentava o programa No Divã do Gikovate, na rádio CBN, e participava periodicamente de encontros com o público na Livraria Cultura.
Foi num desses encontros, em 13 de setembro, que ele apresentou seu livro mais recente: Para Ser Feliz no Amor (Ed. Summus).
Pioneiro nos estudos sobre o sexo, amor e vida conjugal no Brasil, ele publicou mais de 30 livros que já venderam, juntos, cerca de 1 milhão de exemplares.
Sua estreia na literatura foi em 1975.
De lá para cá, publicou obras como O Mal Bem e Mais Além, Uma História do Amor…
Com Final Feliz, A Arte de Educar, Uma Nova Visão do Amor, Ensaios sobre Amor e Solidão e muitos outros.
Nascido em 11 de janeiro de 1943, Flávio Gikovate se formou em medicina em 1966, na Universidade de São Paulo (USP).
Ele contava que sua grande fonte de inspiração eram seus pacientes – foram mais de 10.000 nesses cinquenta anos.
“Escrevo o que vivo na prática.
E não há melhor material de observação do que o comportamento das pessoas.
Não invento fórmulas.
Meu objetivo é levar conhecimento.
Se isso é autoajuda, então escrevo livros de autoajuda. Não tenho medo de rótulos.
O meu respaldo não é acadêmico”, escreveu em seu blog.
Flavio Gikovate, o “terapeuta” de Antony em Passione
Pioneiro na democratização do divã, o psiquiatra supera todos os profissionais pop de sua área ao atuar como ele mesmo na novela das oito.
Amigo do novelista Sílvio de Abreu, autor de Passione, o psiquiatra foi convidado para interpretar a si mesmo no folhetim.
“Nunca pensei nas atividades de divulgação como algo que viesse a consolidar minha carreira.
Sempre achei que é dever das pessoas que têm acesso a algum tipo de conhecimento compartilhá-lo com o maior número possível de pessoas.
Sempre me insurgi contra qualquer modelo de elitismo intelectual, de modo que sempre me propus a escrever e falar de modo claro, tentando transmitir o que aprendi”
Há poucas semanas, Gikovate escreveu o artigo “O amor não é uma mágica“ exclusivo para a seção de Página Aberta da Veja.
O texto falava sobre os sites de relacionamento, que ele defendia.
OS BRASILEIROS ESTÃO ENTRE OS QUE MAIS USAM O MUNDO VIRTUAL PARA SE RELACIONAR
Nos orgulhamos disso e, paradoxalmente, quando se fala em sites e aplicativos de relacionamento amoroso (não estou falando de sites eróticos), a maioria ainda reage de forma extremamente preconceituosa.
Encontrar parceiros pela via tecnológica é visto como vergonhoso e indício de incompetência para os encontros que deveriam acontecer na vida real.
A explicação para essa rejeição específica deriva, creio, da visão que a maioria tem do amor.
Acham que o amor, para ser verdadeiro, tem que acontecer por acaso, como se fosse uma mágica, fruto da “flechada do Cupido”.
Até hoje as pessoas o veem como uma emoção que tem que ser livre de qualquer fundamento lógico e consideram humilhante a interferência da razão; ela rebaixa a qualidade do encontro que passa a ser considerado como um evento de segunda categoria.
O problema dos encontros que começam na rua, nos bares, baladas ou por indicação de amigos é que muitas vezes o encantamento se dá em função de traços um tanto superficiais e que não têm nada a ver com o caráter ou com a essência do outro.
Isso sem falar que muitas vezes o encontro ocorre de madrugada, regado a enormes doses de álcool.
Se num primeiro momento as moças parecem mais interessadas em envolvimentos sérios, a experiência mostra que, uma vez havendo a continuidade da relação, os homens são, ao contrário da crença geral, os mais românticos e se apaixonam mais facilmente, sem levar muito em conta os elementos racionais que permeiam a mente feminina (elas avaliam melhor as características da pessoa antes de se enamorarem).
Não por acaso, são os homens, e não as mulheres, que foram os responsáveis por quase toda a literatura romântica disponível.
Com o tempo, quando conhecem melhor a parceira, muitos acabam se decepcionando.
Percebem que se envolveram sem levar em conta os aspectos essenciais, como o caráter e a personalidade do outro. Quando a idealização inicial se desfaz e vem o choque com a realidade, muitos relacionamentos terminam.
Os sites e aplicativos de encontros podem ser muito convenientes para evitar esse tipo de frustração uma vez que percorrem o caminho inverso: começam pela definição das afinidades, pelas conversas em que se conhece melhor a personalidade um do outro.
Quando essas propriedades estão bem afinadas é que se darão os os encontros reais, onde serão avaliados os aspectos mais emocionais e eróticos de um eventual relacionamento.
Todos os sites de relacionamento se baseiam na ideia de que o essencial são as afinidades.
As principais são, é claro, as de caráter.
Porém, são importantes as que envolvem interesses de lazer, gostos esportivos ou turísticos etc.
Quando os planos avançam na direção da coabitação, é claro que as afinidades têm que ser maiores ainda: mesmos projetos financeiros, mesmos pontos de vista acerca de ter ou não filhos, onde se vai morar etc.
É bom que tudo seja bem conversado; isso evitará discussões futuras e contribuirá de uma forma decisiva para um relacionamento duradouro e de qualidade.
Os bons relacionamentos são aqueles em que ambos crescem, têm sua autoestima aumentada, que se tratam de forma carinhosa; e, acima de tudo, que respeitem as inevitáveis diferenças.
Os que se cruzam pelos sites começam a conversar teclando.
Depois vêm as conversas telefônicas, isso quando já estão mais confiantes e interessados.
Durante as conversas, como acontece no plano real com a maior parte das mulheres, ambos aprendem mais sobre o outro, o que fazem, quais suas condições sociais e familiares.
Tudo isso é racional!
O curioso é observar que quanto maiores as afinidades, maior a tendência para que o encantamento cresça.
É nesse ponto que marcam os encontros no mundo real, condição em que entram em jogo os outros fatores, especialmente os de natureza erótica.
Isso irá acontecer depois que a razão já avalizou a aproximação deles.
Falar em racionalidade no amor continua sendo uma blasfêmia.
Discordo.
Estudo o tema desde que me formei, há 50 anos.
Freud refletiu sobre as escolhas sentimentais na sua Introdução ao Narcisismo (1914).
Para ele as escolhas amorosas podiam acontecer de duas formas: “por oposição (defendida por ele) ou segundo o critério narcisista” (que corresponde ao que chamo de encantamento entre semelhantes). No passado, a preocupação com as afinidades não era tão importante, uma vez que os homens mandavam e as mulheres obedeciam; e as chances de conflito eram menores.
A ideia, fundada no bom senso para a época, era a de complemento—um tem o que falta no outro.
Ainda nos anos 1970 percebi que a maioria dos casais continuava a se formar da mesma forma.
Eles não só eram diferentes, mas opostas quanto ao caráter.
O que acontecia?
Viviam às turras.
Sim, porque com o mundo mais unissex e rico em variedades de lazer, as afinidades foram ganhando importância; e hoje se tornaram indispensáveis.
Numa relação respeitosa não há lugar para as “brigas normais dos casais”.
Amor é paz, aconchego e companheirismo.
Do contrário, é melhor ficar sozinho. A qualidade de vida dos solteiros está cada vez melhor, de modo que se transforma automaticamente numa “nota de corte” para os relacionamentos: tudo o que for pior do que viver só irá desaparecer.
No futuro só existirão solteiros e bem casados!
Os sites de relacionamento invertem as prioridades nas escolhas sentimentais. Se elas eram, principalmente para os homens, de baixo para cima (erotismo, aspectos sentimentais inespecíficos do tipo: timbre de voz, jeito de andar, sorriso…) para depois pensarem na questão do caráter e das afinidades, hoje eles contribuem para que os critérios sejam de cima para baixo: aval da razão, depois o sentimental e finalmente o erótico.
Os três são indispensáveis, mas a margem de erro quando se começa a avaliação pela razão é bem menor.
É claro que tudo isso também pode acontecer nos encontros no mundo real e que deveriam seguir o exemplo do virtual. Aliás, acho que falta muito pouco para que deixemos de pensar nas diferenças entre esses dois mundos.
(Flávio Gikovate)
Fonte: Veja
“Uma boa definição de pessoa humilde consiste na real disposição de ouvir e de aprender sempre, inclusive com aqueles que sabem menos que ela.”
(Flávio Gikovate)