Reprovação: Uma Lição de Vida
Desejo insistir no fato de que a psicologia contemporânea tem se valido demais (e de modo pouco criterioso) das vivências traumáticas infantis para explicar tensões presentes na vida adulta.
O assunto merece explicações mais gerais, de caráter filosófico.
Se continuamos a sentir-nos desamparados quando adultos, isso não acontece por não termos resolvido questões com nossos pais em nosso passado e, sim, por continuarmos de fato desamparados.
Quando o desamparo infantil se resolve, surge o metafísico, para o qual não temos remédio totalmente satisfatório.
Em vez de pensar na infância como um período no qual a criança é sempre “vítima”, que tal a encararmos como o início de uma corrida de obstáculos que só termina quando morremos?
Por exemplo: quando uma criança é reprovada na escola, isso pode ser visto como uma experiência traumática, pois ela vai afastar-se dos colegas, sentir-se perdedora e fracassada etc.
É dentro desta perspectiva que muitos pais e educadores tentam encontrar uma fórmula para que, mesmo sem o aproveitamento mínimo, ela seja promovida, para livrar-se do “trauma” que poderá “marcá-la para o resto da vida”.
Não é essa a minha maneira de pensar.
Esse tipo de superproteção ativa vários distúrbios de conduta.
Primeiro, a criança percebe que não teve rendimento adequado e, mesmo assim, foi aprovada, o que a estimula à ideia de que há outros modos de prosperar que não os que derivam do mérito pessoal.
Depois, ela se perceberá como fraca e incapaz até para repetir o ano; a “coitadinha” é tão delicada que não resistirá a essa dor, da qual terá de ser poupada a qualquer custo.
Além disso, aprende mais um pouco da arte da chantagem sentimental, da capacidade de obter benefícios ao se fazer de vítima; e a prometer, para o ano seguinte, rendimento que sabe que não irá cumprir.
A criança de 7, 8 anos de idade conhece as regras do jogo escolar.
Sabe que, se não render, será reprovada.
Se for negligente, esse será o resultado.
Ao ser reprovada, ela provavelmente levará um choque e ficará muito triste, mas isso não é tão “traumático” assim.
Em várias circunstâncias da vida adulta temos que passar por dores.
A reprovação pode, ao contrário, fortalecê-la para, no futuro, tolerar as inevitáveis frustrações.
Há sofrimento envolvido, e a criança terá de encontrar seus modos de lidar com esse obstáculo.
Esse talvez seja o ponto crucial da minha reflexão: quem tem que dar solução para obstáculo é a criança e não o adulto.
Ela conhecia as regras do jogo; se as transgrediu, pode e deve ser responsabilizada.
Ela é a culpada e não a vítima do que aconteceu; terá de arcar com as consequências de sua negligência.
O modo como irá lidar com isso dependerá de sua força interior e da maneira como vem sendo criada.
A reprovação poderá desenvolver nela uma reação de orgulho ferido, transformando-a numa estudante responsável.
Ou provocará a atitude oposta: a de tornar-se mais negligente, aceitando desde cedo o papel de perdedora.
É evidente que os adultos devem contribuir para que a resposta seja do primeiro tipo.
Porém, a decisão final é mesmo de cada criança.
Além da reprovação, são experiências marcantes também aquelas relacionadas à saúde (doenças prolongadas, fraturas) e à aparência física (obesidade, altura diferente da média), entre outras.
Não há como evitar que nossos filhos passem por obstáculos.
Mesmo se a superproteção não tivesse os efeitos maléficos que tem para a formação da personalidade, ela seria inoperante, pois não conseguiríamos jamais evitar todos os transtornos e sofrimentos para eles.
Só nos resta ajudá-los a serem fortes, capazes de tolerar as dores e frustrações.
Forte não é o que não cai; forte é o que cai e se levanta o mais rápido possível.
Veja também o Horóscopo do dia
Créditos: Dr. Flávio Gikovate
www.flaviogikovate.com.br