Em Depoimento que durou quase 5 horas, Lula diz a Moro que nunca teve intenção de adquirir triplex
Ex-presidente negou ser dono de imóvel no Guarujá.
Ministério Público diz que o imóvel foi destinado a Lula pela OAS, como propina dissimulada.
Em depoimento ao juiz Sérgio Moro nesta quarta-feira (10), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou ser dono do triplex no Guarujá, no litoral de São Paulo.
O Ministério Público Federal (MPF) o acusa de ter recebido o imóvel como parte de propina da OAS, que tinha contratos com a Petrobras.
“Eu não solicitei, não recebi, não paguei nenhum triplex.
Não tenho”.
Em outro momento do interrogatório, ele também negou que pretendia comprar o imóvel.
“Nunca tive a intenção de adquirir o triplex.”
Lula responde por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
Ele é acusado de receber R$ 3,7 milhões em propina, de forma dissimulada, da empreiteira OAS.
Em troca, ela seria beneficiada em contratos com a Petrobras.
Segundo o MPF, o dinheiro foi destinado ao ex-presidente por meio do apartamento, de reformas no imóvel e também com o pagamento da guarda de bens de Lula em um depósito da transportadora Granero.
Durante o interrogatório, Lula negou ter orientado o ex-presidente da OAS Leo Pinheiro a destruir provas documentais de supostos pagamentos de propina ao PT.
“Isso nunca aconteceu e nunca vai acontecer.”
A Justiça liberou todos os vídeos do depoimento; confira os principais pontos e veja as íntegras ao final da reportagem.
Lula diz que nomeação de diretores da Petrobras seguia lógica dos governos anteriores
Lula confirmou que visitou o imóvel, porque a OAS pretendia vendê-lo para sua família.
Mas disse que não orientou nenhuma reforma no imóvel.
“Eu não orientei…
O que eu sei que, no dia que eu fui, houve muitos defeitos mostrados no prédio, defeitos de escada, defeitos de cozinha.”
O ex-presidente questionou as investigações.
“Ele (Ministério Público) deve ter pelo menos algum documento que prova o direito jurídico de propriedade para poder dizer que é meu o apartamento.”
O juiz questionou o ex-presidente sobre um documento de adesão de uma unidade duplex no edifício em Guarujá que depois acabou se transformando em triplex.
De acordo com Moro, o documento foi apreendido na casa do ex-presidente e não está assinado.
“Então, não está assinado, doutor…
Talvez quem acusa saiba como foi parar lá.
Eu não sei como está um documento lá em casa, sem adesão, de 2004, quando a minha mulher comprou o apartamento (da Bancoop) em 2005.”
Lula questionou em diversas ocasiões se há documentos que provam a posse do apartamento.
“O que eu quero é que se pare com ilações e que me diga qual é o crime que eu cometi.
O crime não é conversar com alguém na agenda.
O crime não é ter ido ver um tríplex.
O crime eu cometi se eu comprei o apartamento, se tem documento que eu comprei, se me deram a chave, se eu dormi lá alguma vez, se a minha família dormiu, se tem escritura pública”, disse o ex-presidente.
Quase 5 horas de depoimento
O interrogatório começou às 14h18 e terminou por volta das 19h10.
O petista foi ouvido como réu pela primeira vez nesse processo, que também envolve outras pessoas.
O depoimento teve várias fases e três pausas.
A primeira parte da audiência teve perguntas de Moro e respostas do ex-presidente, durante quase três horas.
Depois três procuradores do MPF fizeram questionamentos a Lula, por pouco mais de uma hora.
Não houve perguntas da defesa – e Lula se recusou a responder questões dos advogados dos outros réus.
No fim, o ex-presidente fez suas considerações finais por 20 minutos.
Veja os principais pontos do depoimento
Lula negou ser dono do triplex.
Disse que nunca recebeu imóvel da OAS e que não tinha intenção de comprá-lo.
Confirmou que visitou o imóvel em fevereiro de 2014, porque a OAS pretendia vendê-lo para sua família.
Mas disse que não orientou nenhuma reforma no imóvel.
Lula afirmou que desistiu do imóvel ao vê-lo pela primeira.
Disse que Marisa Letícia voltou ao imóvel em agosto de 2014, acompanhada do filho.
Segundo ele, a sua mulher não gostava de praia, mas queria investir no imóvel.
Ele disse que soube da visita dias depois de ter ocorrido.
Moro questiona Lula sobre um documento de adesão do triplex em Guarujá.
Lula afirma que o documento não está assinado e diz que “talvez quem acusa saiba como foi parar lá”.
Moro cita documento assinado por Marisa em 2009, Lula diz não ter conhecimento.
“E uma das causas que ela morreu, foi a pressão que ela sofreu”.
Lula disse que só conversou com Leo Pinheiro sobre o tríplex em duas ocasiões – quando o então presidente a OAS indicou o apartamento, e quando foi visitar o prédio.
No começo do interrogatório, Moro disse não ter “qualquer desavença pessoal” em relação a Lula.
Ao ser alertado pelo juiz que seriam feitas perguntas difíceis, Lula disse que “quando alguém quer falar a verdade, não tem pergunta difícil”.
O ex-presidente criticou a denúncia do MPF:
“O contexto está baseado no Power Point mais mal feito, mentiroso, da Operação Lava Jato”.
Ele criticou o Power Point do MPF em outros momentos do depoimento.
Lula negou ter orientado o ex-presidente da OAS Leo Pinheiro a destruir as provas documentais de supostos pagamentos de propina ao PT.
Negou ter conhecido de crimes cometidos por ex-diretores e ex-gerentes da Petrobras, como Pedro Barusco, Nestor Cerveró, Jurge Zelada e Renato Duque.
O ex-presidente negou ter conhecimento de uma “conta corrente de propinas” mantida pela OAS para o PT, e sobre ter conversado com João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, a respeito o triplex do Guarujá.
O MPF perguntou se Lula questionou Vaccari sobre o recebimento de vantagens indevidas em nome do PT.
“Não importa se eu perguntei ou não, ele sempre negou”. Os procuradores insistem.
“Para acabar a nossa polêmica aqui, vamos dizer: eu perguntei e ele disse que não.”
Lula disse que não é contra o combate à corrupção e que, quando foi presidente, aprimorou a lei de delação premiada.
Ao ser questionado sobre churrasco com políticos em abril de 2004 na Granja do Torto, e café da manhã com 35 dos 53 deputados do PP, Lula diz não se recordar, mas conta que “fazia reunião sistemática com os líderes”.
“Se a presidenta Dilma tivesse me seguido, não tinha tido o impeachment”, completa Lula.
Moro fez questões sobre o mensalão, mas Lula disse que falaria apenas sobre o processo do triplex.
Lula também evitou responder questões sobre o sítio em Atibaia.
O ex-presidente falou sobre nomeações políticas em estatais.
Segundo ele, “não se governa sem aliança política”.
O Ministério Público perguntou se Lula sabia que OAS custeou armazenamento de parte do acervo de Lula.
Ele respondeu: “Fiquei sabendo depois.
Na época nem sabia pra onde ia.”
Ele disse que, na ocasião, o Instituto Lula ainda não existia e ele não tinha dinheiro para pagar pelo serviço.
Um promotor perguntou se Lula sabia quem poderia ter definido o destino do acervo presidencial no fim do mandato, “que poderia ter escrito ‘praia’ ou ‘sítio’ nas caixas”.
Lula disse não saber.
Lula declarou a intenção se candidatar à Presidência novamente.
“Depois de tudo que está acontecendo, eu estou dizendo em alto e bom som que vou querer ser candidato à Presidência da República outra vez.”
O ex-presidente criticou ações de busca e apreensão na casa de seus familiares e pediu a devolução dos iPads dos seus netos, que foram recolhidos pela polícia.
Ele também criticou os vazamentos que ocorreram no processo.
“Não existe vazamento em relação a essas ações penais”, respondeu Moro.
“O que tem é vazamento proposital”, disse Lula.
Lula afirmou que, nos últimos 30 dias, o MPF teria induzido testemunhas a acusa-lo.
“O que aconteceu nos últimos 30 dias, doutor Moro, vai passar para a história como o mês Lula.
O objetivo era dizer Lula.
Se não dissesse Lula não valia.”
Moro perguntou se Lula tomou providência quando soube do esquema da Petrobras.
Ele respondeu:
“Eu já estava fora da presidência há 4 anos. Você sabe que um ex-presidente vale tanto quanto um vaso chinês. (…) Você não sabe como cuidar de um ex-presidente, nem um vaso chinês.”
Moro disse a Lula que a imprensa não tem nenhum papel no processo, que será julgado exclusivamente com base nas leis e nas provas.
Em suas declarações finais, o ex-presidente se disse perseguido.
“Eu gostaria de dizer que eu estou sendo vítima da maior caçada jurídica que um presidente ou que um político brasileiro já teve.”
O juiz Sérgio Moro o interrompeu e disse que ele não poderia fazer declarações políticas.
“Eu sei que o senhor é muito jovem, jovem tem menos paciência do que velho.”
Ida a Curitiba
Lula desembarcou no aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, por volta das 10h, em um avião particular que partiu de São Paulo.
Em seguida, ele foi para um escritório de advocacia, no bairro Boa Vista.
De lá, saiu em direção à sede da Justiça Federal, onde chegou às 13h45 – 15 minutos antes do horário previsto para o início da audiência.
Ele deixou o prédio logo após o interrogatório, e seguiu para um ato de seus apoiadores, onde discursou.
Em seguida, retornou para São Paulo.
Em entrevista coletiva, os advogados de Lula disseram que ele demonstrou ser inocente.
Atos pró e contra Lula
Curitiba foi palco de manifestações contra e a favor do ex-presidente ao longo do dia.
Por questões de segurança, os grupos foram separados.
Os contrários a Lula fizeram um ato perto do Museu Oscar Niemeyer, no Centro Cívico, que terminou por volta das 19h. A Polícia Militar informou que o número de participantes chegou a 100; organizadores falaram em 400 participantes.
Os apoiadores do petista ficaram na Praça Santos Andrade.
Além de Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff também participou do ato.
Curitiba recebeu 128 ônibus com manifestantes – cerca de 6 mil.
Segundo os organizadores, cerca de 50 mil pessoas participaram do ato na Praça Santos Andrade, no auge do movimento.
Um forte esquema de segurança foi montado no entorno da Justiça Federal, no bairro Ahú.
Cerca de 1,7 mil policiais militares atuam na segurança de toda a cidade nesta quarta, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Paraná.
Ao todo, foram utilizados cerca de 3 mil profissionais de segurança pública (das esferas municipal, estadual e federal).
O processo
O MPF denunciou o ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 14 de setembro 2016.
Seis dias depois, a Justiça aceitou a denúncia, e Lula e outras sete pessoas viraram réus.
Entre eles, estava a ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu em fevereiro deste ano e teve as acusações arquivadas por Moro.
Desde que foi denunciado, Lula tem negado o recebimento de propinas e o favorecimento da OAS na Petrobras.
A defesa diz que o MPF não tem provas que sustentem a denúncia.
Segundo advogados, a mulher de Lula tinha uma cota no condomínio do triplex, mas a vendeu quando a OAS assumiu a obra.
Eles alegam que Lula e Marisa chegaram a visitar o apartamento citado na denúncia porque planejavam comprá-lo – o que acabou não ocorrendo.
A defesa também nega irregularidades no apoio oferecido pela empreiteira para guardar os bens do ex-presidente.
Em novembro do ano passado, o ex-presidente prestou depoimento a Moro por videoconferência como testemunha de defesa do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Com o depoimento, o processo chega à sua reta final.
A partir de agora, o MPF e as defesas poderão pedir as últimas diligências.
Caso isso não ocorra, o juiz determinará os prazos para que as partes apresentem as alegações finais.
Em seguida, os autos voltam para Moro, que vai definir a sentença, podendo condenar ou absolver os réus.
Não há prazo para que a sentença seja publicada.
Fonte: G1