O cantor, compositor e músico carioca Luiz Carlos dos Santos, o Luiz Melodia, morreu na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), aos 66 anos, em decorrência de complicações de um câncer que atacou a medula óssea.
Melodia morreu na madrugada de hoje, 4 de agosto, por volta das cinco horas da manhã.
A informação foi confirmada ao colunista musical do G1 por Renato Piau, guitarrista que tocou com Melodia, após ligação para a família do artista.
Melodia chegou a fazer um transplante de medula óssea e resistiu ao procedimento, mas não vinha respondendo bem à quimioterapia.
O câncer voltou e o estado de saúde de Melodia se agravou bastante ontem.
O artista estava internado no hospital Quinta D’Or.
Ele cantava que o nome dele era ébano na música que defendeu no festival Abertura, exibido pela TV Globo em 1975. Na certidão de nascimento, o nome era Luiz Carlos dos Santos.
Mas o Brasil o conhecia mesmo pelo nome artístico de Luiz Melodia.
Nascido em 7 de janeiro de 1951 no morro do Estácio, o bairro da cidade natal que ele cantou poeticamente em um dos sambas mais conhecidos do repertório gravado a partir da década de 1970, Luiz Melodia saiu de cena hoje em decorrência de complicações de um câncer de medula óssea conhecido cientificamente como mieloma múltiplo, mas fica eternamente em lugar de honra na história da música brasileira.
Tinha 66 anos de vida e 46 de carreira, se estabelecido como marco zero da trajetória profissional o lançamento da música Pérola negra em 1971 na voz de Gal Costa.
Pérola negra era um dos destaques do show Fa-tal – Gal a todo vapor.
No ano seguinte, Maria Bethânia lançou o samba Estácio, Holy, Estácio no álbum Drama (1972), abrindo caminho para que Melodia lançasse em 1973 pela gravadora Philips o primeiro álbum, Pérola negra, um dos clássicos da música brasileira de todos os tempos.
Pérola negra tinha samba, mas não era um disco de samba como o cantor tinha aprendido no morro em vivência musical que começou dentro de casa, quando Luiz ouvia o pai, o compositor Oswaldo Melodia, tocar.
O álbum que projetou Melodia ergueu uma ponte tropicalista que ligava o samba do Estácio ao blues, passando pelo choro, pelo soul e pelo rock ao cair em suingue singular.
O romantismo ingênuo do cancioneiro da Jovem Guarda, influência assumida do cantor, ficaria mais evidente em álbuns posteriores com regravações de sucessos da turma comandada por Roberto Carlos em 1965, época em que Melodia ainda frequentava programas de calouros em busca do lugar ao sol que não havia conseguido com a formação de conjunto efêmeros, como Os Filhos do Sol e Os Instantâneos, para animar bailes da juventude pop dos anos 1960.
De lá para cá, a partir especificamente da edição do álbum Pérola negra, Melodia firmou nome na música brasileira como um dos compositores de assinatura pessoal, delineada em posteriores álbuns autorais como Maravilhas contemporâneas (1976), Mico de circo (1979), Nós (1980), Felino (1983), Claro (1987), Pintando o sete (1991), 14 quilates (1997), Retrato do artista quando coisa (2001) e o derradeiro Zerima (2014). Grande cantor de voz aveludada, Luiz Melodia foi bamba que foi muito além do samba do Estácio.
Voz aveludada do morro que jamais se deixou enquadrar na moldura de sambista, embora fizesse e cantasse samba com orgulho, o cantor e compositor carioca Luiz Carlos dos Santos (7 de janeiro de 1951 – 4 de agosto de 2017), o Luiz Melodia, gravou 15 álbuns entre 1973 e 2014. No derradeiro disco autoral de estúdio, Zerima (Som Livre), o cantor e compositor apresentou maravilhas contemporâneas como Dor de amor, samba de fossa, gravado com a cantora paulistana Céu, sobre um Carnaval fracassado.
Belo fecho oficial para obra fonográfica encerrada com a saída de cena do artista na manhã de hoje, aos 66 anos, Zerima se revelou um álbum mais sereno, eventualmente nostálgico e melancólico.
Mas havia no disco o nobre DNA musical que Melodia já mostrara no primeiro clássico álbum, Pérola negra (Philips), lançado em 1973 no rastro de gravações de músicas do compositor pelas cantoras Gal Costa e Maria Bethânia.
Entre Pérola negra e Zerima, Luiz Melodia foi fiel à própria obra, à música que sabia fazer sem fórmulas de sucesso.
Melodia não foi um cantor de grandes hits, embora tenha emplacado sucessos populares na década de 1970.
Destaque do repertório de Maravilhas contemporâneas (1976), segundo álbum do artista, a canção Juventude transviada (de letra surreal) foi um desses hits, tendo sido propagada em escala nacional na trilha sonora da versão original da novela Pecado capital, exibida pela TV Globo entre 1975 e 1976.
Contudo, o compositor nunca pareceu se preocupar com hits e com o mercado.
De temperamento difícil, arisco, Melodia muitas vezes se desentendeu com gravadoras para preservar a essência da obra.
Por isso mesmo, o artista geralmente lançou álbuns com intervalos espaçados.
Nem todos saudados com a devida importância.
Pode-se argumentar que o suprassumo dessa obra está concentrado nos três álbuns dos anos 1970.
Só que há mais pérolas negras no cancioneiro de Melodia do que supõem os que ouviram somente músicas como Estácio, Holy, Estácio (1972), Magrelinha (1973), Presente cotidiano (1973), Salve linda canção sem esperança (1974), Ébano (1975), Congênito (1975), Fadas (1978) e Dores de amores (1978).
É difícil, por exemplo, não cair no suingue de Revivendo (Luiz Melodia e Perinho Santana), samba que fechou Claro (1987), álbum menos ouvido do Negro Gato.
Se o compositor foi bamba, o cantor foi fino estilista que aveludou a própria obra e, como intérprete, refinou sucessos da Jovem Guarda e tomou para si uma balada de Cazuza (1958 – 1990), Codinome beija-flor(Reinaldo Arias, Cazuza e Ezequiel Neves, 1985), ao regravá-la em 1991 para a trilha sonora da novela O dono do mundo (TV Globo).
Descoberto pelos poetas tropicalistas Torquato Neto (1944 – 1972) e Waly Salomão (1943 – 2003), no morro do Estácio onde aprendera a tocar samba, Luiz Melodia chegou até a voz de Gal Costa, intérprete original da canção Pérola negra em 1971, através da ponte feita pelos poetas com a cantora que, na época, encarnava musa da contracultura.
Melodia já tinha a ginga própria (construída a partir da fusão de influências como o samba, o soul, o choro, o blues, o rock e o iê-iê-iê romântico), mas é importante ressaltar a importância do guitarrista e arranjador baiano Perinho Albuquerque na formatação inicial dessa obra de assinatura e suingues tão pessoais.
Perinho criou arranjos de nove das dez músicas do álbum Pérola negra, disco delineador da identidade de Melodia na música brasileira.
Melodia é contemporâneo de João Bosco e Djavan e, como esses dois compositores projetados na primeira metade dos anos 1970, soube se integrar à MPB nascida na era dos festivais da década de 1960 e expandida naqueles anos rebeldes.
Como Bosco e Djavan, Melodia tem obra desde sempre original, única.
Até porque Luiz Melodia nunca quis se limitar a transitar pelo universo do samba e do choro ouvidos desde que tinha oito anos e era levado pelo pai, o compositor Oswaldo Melodia, para as rodas e becos musicais do morro do Estácio.
Mas o DNA musical de Luiz Melodia já era mais complexo, pois continha os genes do soul, do blues e do rock.
O que gerou obra maravilhosa, contemporânea, criada a partir dessa mistura fina, negra, nobre como o ébano.
(Crédito da imagem: Luiz Melodia em foto de divulgação de Daryan Dornelles)
Fonte: G1