Instituído pela Organização das Nações Unidas em dezembro de 2007 e celebrado mundialmente desde 2008, o dia 2 de abril tornou-se o Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
Estimativas apontam que o transtorno atinge aproximadamente 1% da população mundial, ou seja, 70 milhões de pessoas em todo o mundo.
O aumento no número de casos e as necessidades especiais dessas pessoas levaram o Brasil a aprovar a lei 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, ou Lei Berenice Piana, uma homenagem à mãe de um jovem autista, que lutou por mais de 15 anos pela aprovação dessa lei que hoje beneficia seu filho e outros milhões de brasileiros.
O autismo é um transtorno global do desenvolvimento que afeta a capacidade de comunicação, de socialização e o comportamento dos indivíduos.
Recentemente adotou-se a designação Transtorno do Espectro Autista pois os autistas apresentam níveis muito distintos de comprometimento nos três campos mencionados.
Alguns possuem suas funções cognitivas intactas, com excelentes linguagens verbal e não verbal e ótima memória. Outros apresentam sérios problemas em seu desenvolvimento como forte atraso na fala e dificuldades de aprendizagem. No entanto, alguns indivíduos dentro do espectro autista apresentam inteligência acima da média, condição fundamental para o caso dos diagnósticos de pacientes com Síndrome de Asperger.
A imagem clássica da criança isolada e muda, que balança o corpo em movimentos repetitivos, é eventualmente verificada nas formas mais severas de autismo.
Porém há pacientes com manifestações moderadas e leves do transtorno, muitas vezes quase imperceptíveis. Costumam apresentar apego à rotina, pouco contato visual, estereotipias (procedimentos com poses estranhas, como rodar em torno do próprio corpo), ecolalia (fala através da repetição de palavras ou frases) e hiperatividade ou hipoatividade, entre outros sintomas.
Tudo isso em graus muito variáveis.
É uma condição crônica que se manifesta até os três anos de idade e cujo diagnóstico pode ser muito difícil e demorado. Mas as crianças autistas, se diagnosticadas e tratadas precocemente, podem apresentar melhoras excepcionais em seus quadros de desenvolvimento, muitos alcançando uma vida adulta bastante independente.
Por ser um transtorno que afeta diretamente a capacidade de socialização dos indivíduos, a proximidade e o contato com crianças não autistas, ou neurotípicas, é fundamental no processo terapêutico.
Sendo esse convívio, que favorece a socialização dos autistas, tão importante, fica evidente a necessidade do trabalho de inclusão das crianças autistas nas escolas regulares.
A Lei Berenice Piana iguala os autistas aos deficientes para todos os fins legais e prevê punição para os gestores escolares que recusem alunos autistas, entendendo que a prática fere o disposto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada no direito brasileiro através de emenda constitucional, visando combater a discriminação contra os deficientes.
A nova Lei despertou reações positivas e negativas entre educadores e comoveu pais e mães em todo o país.
Alguns setores da educação manifestaram-se contra a possível punição aos gestores escolares alegando que pais deveriam usar apenas o bom senso na hora de optar entre uma escola regular ou especial para seus filhos.
É claro que o bom senso é sempre um importante aliado, mas muitas escolas agem de modo sectário diante de alunos com condições especiais erguendo barreiras onde elas deviam ser demolidas.
Algumas escolas, embora sejam verdadeiros organismos pensantes e berços de intelectuais, são também núcleos duros de conservadorismo.
Por isso os pais e mães dos, aproximadamente, dois milhões de autistas brasileiros se comoveram tanto com a Lei, que surgiu como uma proposta da sociedade, através da articulação de Berenice Piana e outros líderes dos movimentos sociais em defesa dos autistas.
Onde o bom senso das escolas não aparece, vale a força da Lei.
A importância disso é cada vez maior quando notamos diariamente que nossa sociedade não está preparada para lidar com a diferença.
O filósofo Hegel dizia que todo indivíduo deseja ser desejado pelos seus pares, pois o reconhecimento do outro é importante para nós, para nossa autoestima.
Como os autistas tem dificuldades para se relacionar socialmente e costumam apresentar padrões um tanto rígidos e repetitivos de comportamentos e interesses, acabam sendo vistos, no ambiente da escola regular, como aqueles alunos “esquisitos”, “diferentes”, que se transformam em alvos preferenciais da discriminação, do escárnio e do bullying. Daí o impulso de muitos pais em manter seus filhos em escolas especiais, onde eles estariam protegidos.
Mas até quando excluiremos os autistas do convívio social em função do preconceito e da ignorância geral da sociedade?
Os autistas também precisam ser aceitos e reconhecidos como são e a escola que encara a missão de formar cidadãos éticos deve abrir suas portas para a diversidade.
O atendimento escolar especial é sempre bem-vindo em caráter complementar e suplementar.
Com certeza o bom senso dos pais é muito importante na hora de escolher uma escola para seus filhos autistas.
Na verdade, ele é importante também para os pais de todos os alunos.
Os gestores escolares devem ser capazes de explicar muito bem o projeto político-pedagógico e a sua proposta de desenvolvimento para os alunos da escola.
Os pais devem saber avaliar se o projeto e a proposta apresentados pela escola são compatíveis com aquilo eles esperam para seus filhos.
Já no caso dos pais de autistas, eles devem saber se o nível de comprometimento de seus filhos torna possível ou não a inserção nas escolas regulares de acordo com os projetos e as propostas que elas lhes apresentem.
E é claro que todas as escolas regulares devem estar preparadas para abraçar a inclusão.
Resistir é retroceder e compactuar com o preconceito e com a ignorância.
Para chamar a atenção das sociedades para o autismo, o mundo inteiro tem iluminado seus principais símbolos e monumentos públicos com luzes azuis no dia 2 de abril.
Azul é a cor que simboliza os autistas.
No Brasil os principais monumentos iluminados são o Cristo Redentor, a Ponte Estaiada de São Paulo, o Congresso Nacional, o prédio do Ministério da Saúde e o Teatro Amazonas.
Na França, são a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo.
Na Austrália, a Ópera de Sydney.
Nos Estados Unidos, a Torre de Miami e no Canadá, as cataratas do Niágara.
A mesma homenagem ocorre em muitos outros países, em todos os continentes.
Os centros de controle de doenças dos Estados Unidos indicavam que a prevalência de autistas em idade escolar naquele país era de um para cada 110, em 2010.
Já em 2011 esse número passou para um em cada 88 crianças.
O dado referente a 2012 aponta prevalência de um autista para cada 50 crianças.
Uma epidemia?
A comunidade científica ainda está debatendo o tema.
Embora não tenhamos levantamentos como esses no Brasil, acredita-se que a prevalência de autistas também esteja crescendo.
Isso torna cada vez mais necessário que nos encontremos preparados para lidar com a diferença, conviver com ela e respeitá-la.
E a escola é, sem dúvida, o espaço onde podemos aprender, não só na teoria, mas também na prática, essa grande lição de cidadania.
Porque ser diferente é normal.
E o autismo não é um mundo a parte.
É parte desse mundo.
(Diego Moreira – Professor de Geografia do Curso pH e pai do Daniel, menino autista de três anos)